A ÚLTIMA VISÃO
É a hora
de partir. Quão breve chega.
Tudo
subitamente se amontoa...
Tejo,
Mekong, Mondego, a musa grega,
O Rossio,
os bordéis, Ceuta, Lisboa.
Naufrágios.
Jogo. Oceano. A vista cega.
Bárbara.
Dinamene. Uma coroa
Na areia.
O mar. A praia que se entrega.
Os sinos
de Sant’Ana. A praça em Goa.
Os
versos. Prensas. Autos. Céus. Semblantes
De pedra.
Os pais. Arruaças. Cães. Cadeias.
A espada
sob o sol. Seios de amantes.
O Olimpo.
O Letes. Náiades. Sereias.
Tudo
passou em menos de uma hora.
Só Deus
sabe o que principia agora.
24-9-2004
(A árvore seca, 2006)
CAMÕES,
ALÉM DO DESCONCERTO
Camões,
nessas terras duras
De
cafres, mouros, gentios,
Quantos
mares, quantos rios,
Quantas
terríveis lonjuras
Até as
faces que são tuas.
Quantos
meses, ou mais que eles,
Entre uma
carta e outra carta,
Mundo vão
que nos aparta,
Espumas
que salgam, reles,
Nossas
mãos só nisso imbeles.
A
essência da solidão
Caminha
em Goa, nas ruas,
Ao pensar
que as mesmas luas
Banham de
argênteo clarão
Olhos que
cá e lá estão.
Mestre,
não sei se é consolo,
Todos nós
marchamos sós,
Mas é em
nós que a tua voz
Vibra,
não no coevo tolo
Que de
Olisipo é hoje o solo.
De Ceuta,
de Índia ou Macau
Nunca
estiveste tão perto,
Tão sobre
o salso deserto,
Sobre o
torpe, sobre o mau,
Sobre o
inconfiável vau
Quanto
agora, em nosso peito,
Nosso
pai, irmão e amigo,
Finda a
Sorte, ido o Perigo,
Na Santa
Cidade, eleito,
Para onde
vai nosso preito.
No avião, 4-11-2008
(As desaparições, 2009)
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