quinta-feira, 25 de abril de 2019

ALGUNS POEMAS DE LISBOA




Os quatro poemas que se seguem — três sonetos e uma quadra, que cobrem um período de 23 anos — tem uma ligação direta com Lisboa, cidade da minha especial predileção, por motivos mais ou menos óbvios. O primeiro surgiu da contemplação da magnífica estátua jacente de Lopo Fernandes Pacheco na Sé daquela capital, o segundo é quase memorialístico, e os dois últimos são homenagens a dois grandes poetas portugueses, Fernando Pessoa e Herberto Helder, grande e saudoso amigo, escrito alguns meses após o seu falecimento.



            O JACENTE DA SÉ

Ele está morto, mas está atento:
Segura a espada como se a arrancasse.
Se a trombeta do Juízo agora soasse
Ei-lo a sacá-la num furor sangrento.

Não saberia, a ouvir tal som cruento,
Se de mouros ou de anjos se tratasse,
Olhos cansados sonham na sua face,
Mãos e ouvidos aguardam seu momento...

Quando o angélico estrondo o estremecesse
Se ergueria da pétrea e heroica prece
Contra uma grei feroz já bem vizinha,

Castelhanos, infiéis... Mas quando achasse
Só os arautos de Deus, e então chorasse,
Guardaria sua espada na bainha.


                                                                       Lisboa, 26-3-1992



                       LISBOA

Da vida, um forte pouco, e o muito dela
Que poderia ser. Cruzo o Rossio
Em sonho. Vejo o sol prateando o rio
Lá embaixo. O vento fecha uma janela.

Como não retornar para esta cela
Dominical? Para o avinhado frio
Dos astros? E ao já visto, igual a um cio,
Que às calçadas e às portas nos atrela?

Poço dos Negros, Praça da Figueira,
Escadinhas do Duque. Com os amigos
Mortos, vivos, é andar a noite inteira

No sonho, em meio aos planos e aos perigos,
Ou será já verdade, ou bebedeira,
Tal dor dos dias límpidos e antigos?


                                                                                      9-10-2004


              FERNANDO PESSOA

Venceste. O reino é teu. Torceste a sina.
Compraste a vida invicta com a outra vida.
Sem ter sido, ela é nossa. A sombra puída
Do teu corpo nos guia em cada esquina.


                                                                              10-10-2004




                      BILHETE

Herberto, meu amigo, que deserto
No Expresso, nas Galegas. Tu, que vias
Um dia como nunca houve nos dias
Mesmo ao lado – e hoje é longe o que era perto -,

Como dói não te achar no Desconcerto
Do Mundo, onde, sozinho, recolhias
Nas ruas mais sem alma epifanias
Que a santos não couberam, e isso é certo.

Como dói nas esquinas da cidade
Ver um pouco a cada hora a Eternidade,
Deusa falsa e cruel, erguer cortinas

Que aos nossos olhos vedam tantos vultos
Amados e a queimar, sem ara ou cultos,
Vazando as nossas míseras retinas.


                                                                                       7-8-2015


3 comentários:

  1. Olá, olá, belos poemas! Busco troca de experiência poética. Não visualizei contato neste blog. Boa noite!

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  2. Alia,
    Atualmente me encontro em Coimbra,PT. Tem sido incrível as surpresas e conviver aqui. Saber que grandes poetas por aqui passaram (Gregório, Cláudio, Durão, Gonçalves).
    Tenho profundo interesse pelo período romântico brasileiro (onde “moram” meus poetas preferidos) e tenho consultado o seu livro “Uma história da poesia brasileira” ( tenho consultados outros autores, que Janair estão entre nós).
    Gostaria, se possível, manter contato contigo para dirimir algumas dúvidas.
    Manda-me mensagem que enviarei meus contatos.
    Saudações
    Ruy Sarno

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