Os quatro poemas que
se seguem — três sonetos e uma quadra, que cobrem um período de 23 anos — tem uma ligação direta com Lisboa,
cidade da minha especial predileção, por motivos mais ou menos óbvios. O
primeiro surgiu da contemplação da magnífica estátua jacente de Lopo Fernandes
Pacheco na Sé daquela capital, o segundo é quase memorialístico, e os dois
últimos são homenagens a dois grandes poetas portugueses, Fernando Pessoa e
Herberto Helder, grande e saudoso amigo, escrito alguns meses após o seu
falecimento.
O
JACENTE DA SÉ
Ele está morto, mas está atento:
Segura a espada como se a arrancasse.
Se a trombeta do Juízo agora soasse
Ei-lo a sacá-la num furor sangrento.
Não saberia, a ouvir tal som cruento,
Se de mouros ou de anjos se tratasse,
Olhos cansados sonham na sua face,
Mãos e ouvidos aguardam seu momento...
Quando o angélico estrondo o estremecesse
Se ergueria da pétrea e heroica prece
Contra uma grei feroz já bem vizinha,
Castelhanos, infiéis... Mas quando achasse
Só os arautos de Deus, e então chorasse,
Guardaria sua espada na bainha.
Lisboa, 26-3-1992
LISBOA
Da vida, um forte pouco, e o muito dela
Que poderia ser. Cruzo o Rossio
Lá embaixo. O vento fecha uma janela.
Como não retornar para esta cela
Dominical? Para o avinhado frio
Dos astros? E ao já visto, igual a um cio,
Que às calçadas e às portas nos atrela?
Poço dos Negros, Praça da Figueira,
Escadinhas do Duque. Com os amigos
Mortos, vivos, é andar a noite inteira
No sonho, em meio aos planos e aos perigos,
Ou será já verdade, ou bebedeira,
Tal dor dos dias límpidos e antigos?
9-10-2004
FERNANDO PESSOA
Venceste. O reino é teu. Torceste a sina.
Compraste a vida invicta com a outra vida.
Sem ter sido, ela é nossa. A sombra puída
Do teu corpo nos guia em cada esquina.
10-10-2004
BILHETE
Herberto, meu amigo, que deserto
No Expresso, nas Galegas. Tu, que vias
Um dia como nunca houve nos dias
Mesmo ao lado – e hoje é longe o que era perto -,
Como dói não te achar no Desconcerto
Do Mundo, onde, sozinho, recolhias
Nas ruas mais sem alma epifanias
Que a santos não couberam, e isso é certo.
Como dói nas esquinas da cidade
Ver um pouco a cada hora a Eternidade,
Deusa falsa e cruel, erguer cortinas
Que aos nossos olhos vedam tantos vultos
Amados e a queimar, sem ara ou cultos,
Vazando as nossas míseras retinas.
7-8-2015
Incrível
ResponderExcluirOlá, olá, belos poemas! Busco troca de experiência poética. Não visualizei contato neste blog. Boa noite!
ResponderExcluirAlia,
ResponderExcluirAtualmente me encontro em Coimbra,PT. Tem sido incrível as surpresas e conviver aqui. Saber que grandes poetas por aqui passaram (Gregório, Cláudio, Durão, Gonçalves).
Tenho profundo interesse pelo período romântico brasileiro (onde “moram” meus poetas preferidos) e tenho consultado o seu livro “Uma história da poesia brasileira” ( tenho consultados outros autores, que Janair estão entre nós).
Gostaria, se possível, manter contato contigo para dirimir algumas dúvidas.
Manda-me mensagem que enviarei meus contatos.
Saudações
Ruy Sarno